Debates sobre Relações Interpessoais

Sinopse

 
     Ao observar-se um conjunto de indivíduos com uma actividade comum, correspondente a interesses, objectivos compartilhados e cujos trabalhos se prolonguem por um tempo razoável, consegue-se assinalar diferentes etapas de desenvolvimento, até ao seu pleno funcionamento como grupo.
      No contexto da escola, a turma constitui-se como uma unidade social própria, que possui um conjunto de normas específicas, um clima próprio, relações interpessoais únicas. A distinção entre a diversificação de grupos existentes, apresenta-se entre outros critérios pela dimensão, que inevitavelmente se traduz numa maior ou menor intensidade e reciprocidade das interacções pessoais. Daqui subentende-se que um grupo, se vai estruturando durante e como consequência de um processo de interacções entre os seus membros, norteado pelos objectivos que pretende alcançar.




Aceitação vs Rejeição

Na adolescência alguns jovens são pouco queridos e rejeitados pelos colegas. O grau de rejeição ou aceitação de um aluno está associado a um determinado estatuto social que o resto do grupo lhe atribui. Segundo Alsaker y Olweus (1992) e Kupersmidt, Coie & Dodge( 1990) a experiência de ser mais ou menos aceite pelos pares pressupõe importantes consequências, a nível psicológico, para os adolescentes, porque constitui uma experiência stressante . Em estudos realizados por Boivin, Poulin &Vitaro( 1994); comprovou-se que os alunos rejeitados apresentavam mais sintomas psicossomáticos e desordens psiquiátricas que o resto dos alunos.
Autores como Caroll,Green,Houghton e Wood  (2003) defendem que a necessidade de popularidade, liderança e poder entre os pares começa a ser importante no início da adolescência, com o objectivo de se atingir uma maior aceitação pessoal.
Joana, com 14 anos, desconhece o pai. Vive com os avós e apenas contacta com a mãe aos fins - de- semana, que por motivos profissionais, reside noutra cidade.Em contexto escolar, a aluna manifesta atitudes de agressividade verbal para com os colegas mais frágeis, nomeadamente alunos com NEE e grande dificuldade em relacionar-se com os pares. Gosta de se evidenciar como elo mais forte e dificilmente reconhece o erro ou a mentira. Procura a intriga como forma de manipulação, numa tentativa de reconhecimento.
Na sequência desta situação verifica-se por parte do grupo - turma uma situação de rejeição e exclusão. Como ilustração o facto de se ter detectado a criação, por parte da turma, de um clube, com o título “Clube Anti-Joana”, no Facebook”. Face ao descrito e considerando a influência do papel do ambiente e das experiências de vida no desenvolvimento humano, nomeadamente nas relações interpessoais apresentada pela teoria da vinculação, poderemos dizer que a debilidade das ligações afectivas no âmbito da família, com figuras significativas, não preconizaram nesta jovem um “sentido de segurança” e de “protecção “que lhe permita a adaptação a novas realidades sociais, mediante a percepção de informações relevantes. 
Esta dificuldade de relacionamento interpessoal trouxe, como consequência, uma rejeição por parte dos pares e simultaneamente uma auto-exclusão, como processo defensivo.

Alsaker FD & Olweus D. (1992). Parental relationships, peer relationships, and the development of depressive tendencies in adolescence. Paper presented at the biennial meeting of the Society for Research on Adolescence,Washington, DC.
Boivin M, Poulin F & Vitaro F (1994). Depressed mood and peer rejection in childhood. Developmentand Psychopathology, 6, 483-498.
Carroll A, Green S, Houghton S y Wood R. (2003). Reputation enhancement and involvement in delinquency among high school students. International Journal of Disability, Development and Education, 50, 253-273.
Kupersmidt JB, Coie JD y Dodge KA (1990). Predicting disorder from peer social problems. En SR
Asher & JD Coie (Eds.), Peer rejection in childhood. New York: Cambridge University





Afiliação

No início do ano lectivo e na sequência do processo concursal, os novos docentes colocados, enfrentam muitas vezes, uma situação de receio (constrangimento) face à nova escola, detentora de uma cultura própria e em alguns casos às próprias especificidades sócio culturais do meio envolvente. Esta postura, surge na sequência, de enfrentarem uma organização que se apresenta com uma cultura própria. Cultura esta, “que é ao mesmo tempo, um modo de vida, uma escola de valores, um conjunto de relações e de interacções (Labie, 1986, p.471).

Estes profissionais deparam-se com “uma situação nova (…) e incertos em como reagir” (idem, 2000, p.142). Poderemos dizer que esta incerteza serve de justificação para o facto de, durante os primeiros tempos, se constituírem como um grupo próprio, afiliando-se com o objectivo de se apoiarem mutuamente, procurando “nos outros uma fonte de informação” (ibidem).

Labie, J. F. (1986). La dynamique des organisations in: Le comportement des individuis et les groupes dans l’organisation. Gaetan Morin,pp. 467- 490.


Interdependência


O conceito de interdependência é fundamental na transformação de um grupo modifica o estado de todas as outras, torna-se na essência de um grupo, referindo Forsyth (1983/1990) que, de forma intuitiva se poderá compreender que:

Três pessoas sentadas em diferentes salas a trabalharem em tarefas não relacionadas, dificilmente podem ser consideradas como um grupo social, pois não se poderão influenciar mutuamente, através de uma qualquer forma. No entanto, se for implementado um qualquer potencial para a interdependência, tal permite que, pelo menos, uma pessoa influencie ou seja influenciada por outras. Ou seja os três sujeitos em questão já poderão considerados como um grupo (rudimentar).

Mais recentemente, este conceito é definido por muitos autores como a característica chave, parara a existência de um grupo, aparecendo não isolado, mas associada a outras características consideradas, também, cruciais, como por exemplo, o resultado ou o alcance de uma meta.

Estas considerações são visíveis nas enunciações de Bilhim (2001), que define grupo como uma “reunião de dois ou mais indivíduos que interagem, numa relação de interdependência, tendo em vista a realização de objectivos específicos” (p. 375) e de Câmara (1997), que define grupo como um “conjunto de dois ou mais indivíduos, interligados e interdependentes, que se reúnem para atingir objectivos específicos” (p. 15).

Del Prette e Del Prette (2007, p.219), considera que é através da interdependência que o indivíduo se vai descobrindo a si próprio em conexão com o “outro”.

As reuniões de Conselho de Turma constitem um bom exemplo de interdependência, na medida em que o grupo constituído, para atingir os objectivos definidos tem que, forçosamente, trabalhar em articulação, onde cada uma das partes, complementa o todo.



Bilhim, J.A.F. (2001). Teoria Organizacional. Estruturas e Pessoas. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Câmara, P.B. (1997). Organização e Desenvolvimento de Empresas. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Del Prette, Z.A.P. & Del Prette, A. (2007). Avaliação de habilidades sociais: bases conceituais, instrumentos e procedimentos. In A. Del Prette & Z.A.P. Del Prette (Orgs.), Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. Petrópolis: Vozes.Forsyth, D.R. (1990). Group Dynamics (2ª ed.). BrooksKole Publishing Campany. 




Reciprocidade


Para a constituição de um grupo de sujeitos, torna-se necessário que um conjunto de indivíduos esteja em interacção durante um período de tempo considerável e que consiga desenvolver uma actuação colectiva com vista à prossecução de objectivos partilhados.
A distinção entre a diversificação de grupos existentes, apresenta-se entre outros critérios pela dimensão, que inevitavelmente se traduz numa maior ou menor intensidade e reciprocidade das interacções pessoais.
Exemplificando. Quando é constituído um grupo de trabalho formado por Docentes, Técnicos Operacionais e Encarregados de Educação para elaboração do Projecto Educativo, acaba por se fomentar um espaço dinamizador de oportunidades de reflexão, mobilizador das práticas e experiências vividas, permitindo a desconstrução de narrativas socialmente dominantes fundamentais na elaboração do projecto identitário da escola.
Tal situação acaba por ser assegurada por normas sociais de reciprocidade (com referência ao outro) e, em estreita relação, pelo sentimento de confiança social. Putnam (1993), acredita que o capital social pode ser efectivamente medido pela acumulação de confiança e reciprocidade na comunidade ou entre indivíduos.

Putnam, Robert (1993). Making Democracy Work: civic traditions in modern Italy. Princeton: University Press

 
Reflexão


A escola constitui-se como um local “que a sociedade organiza, de forma explícita, para levar a cabo a socialização das novas gerações”  (Pinto, 1995, p. 113), onde o aluno vai aprender a desenvolver condutas de relação interpessoal, as regras e normas, na sua interrelação com os pares e os adultos. Os objectivos da escola não devem, portanto, focalizar-se apenas nos conteúdos, mas no desenvolvimento integral da criança como pessoa e para isso é necessário o treino em habilidades de relação interpessoal, requisito para um boa adaptação à vida.
No contexto da escola, a turma constitui-se como uma unidade social própria, que possui um conjunto de normas específicas, um clima próprio, relações interpessoais únicas. É uma estrutura que emerge da interacção de indivíduos, ou seja não existe pelo simples facto de que algumas pessoas se encontrem reunidas, mas passa por um processo de aquisição de identidade.
Berra (2005) afirma que um grupo não é, mas constitui-se, durante a sua existência, sendo importante estabelecer relações entre o grupo e o objecto de estudo, num processo dinâmico de interacções e transformações em que as situações novas se integram nas já conhecidas, envolvendo a totalidade do grupo, tanto no aspecto cognitivo, como afectivo e sociocultural.
Segundo Berra (2005)um grupo deve possuir as seguintes características:
a)         Um sentido de participação nos mesmos objectivos, ou seja aquilo para o qual o grupo se encontra constituído
b)        Ter uma consciência de grupo, identificar-se e percepcionar-se como uma unidade ou seja consolidar um sentido de pertença, que permita pensar e pensar-se como um grupo  
c)         Dependência recíproca, pela qual os seus elementos deverão apoiar-se mutuamente para atingirem os seus objectivos.
d)        Acção recíproca, segundo a qual os seus integrantes devem ter a possibilidade de comunicar e de interactuar, confrontando pontos de vista
e)         Que os membros do grupo tenham uma função própria para atingirem os objectivos de aprendizagem, evitando que se consolidem papeis rígidos e estereotipados
f)         Que se reconheça o grupo como fonte de experiências e de aprendizagem, capaz de gerar oportunidades de reflexão e de modificação de condutas
g)        Que possua competências para actuar de forma unida de acordo com as necessidades das tarefas
h)        Que se preste atenção  à pessoa, com os seus conflitos, motivações, interesses e contradições como metas de aprendizagem.
Neste processo de constituição dinâmico do grupo, os alunos procuram segurança e a forma de a alcançarem é sentirem-se incluídos e aceites, esperando o apoio emocional e intelectual que lhes permita desenvolver conhecimentos e competências.
Os professores deverão, neste processo, “ aceitar que para alguns alunos poderão constituir-se como figuras de vinculação alternativas “(Costa &Matos, 2007, p.60) e serem “ capazes de reconhecer as necessidades de vinculação da criança e estejam atentos aos sinais transmitidos” (Costa &Matos, 2007, p.61), estarem atentos ao modo “ como o grupo de pares percepciona e age com estas crianças” (ibidem) e ter ainda em consideração a interdependência entre o sistema familiar e o social, que é a escola.
É neste sentido que, sendo a família a primeira unidade em que a criança se desenvolve e onde têm lugar as primeiras experiências sociais, Bowlby (1976), salienta a importância que a uma relação contínua e positiva da criança, com a mãe, capaz de lhe proporcionar segurança, tenderá a influenciar significativamente a vida posterior dos jovens na sua interacção com os pares e com os adultos.
Quando se desenvolve uma relação de vinculação saudável, satisfazem-se as necessidades físicas (de sobrevivência) e psíquicas (organização dos processos mentais) da criança e esta desenvolve um sentimento de segurança e confiança para a exploração do mundo físico e social e paulatinamente distanciar-se da figura de vínculação (Ainsworth), como referem Costa & Matos(2007) “a articulação entre ambos os sistemas comportamentais -o de vinculação e o de exploração - é assim, estreita e interdependente, ou seja, para que o sistema de exploração possa ser activado a um nível óptimo, a activação do sistema de vinculação deverá permanecer a um nível reduzido” (p. 47), pelo que “as relações emocionalmente seguras encorajam , assim , a aquisição da autonomia e da diferenciação pedagógica, estimulando a participação e o investimento dos sujeitos noutros cenários do desenvolvimento humano, tais como o trabalho, a parentalidade, o lazer, a cultura, etc” (idem, p. 48).

Referência Bibliográficas
Ainsworth, M. D. S. (1979). Infant-mother attachment. American Psychologist.
Bowlby, J. (1976). A natureza da ligação da criança com a mãe. In L. Soczka (Ed.), As ligações infantis. Amadora: Bertrand.
Costa, M. Emília, Matos, P. M(2007). Abordagem Sistémica do Conflito. Lisboa: Universidade Aberta.
Pinto, C. Alves (1995) Sociologia da Escola. Amadora: Editora McGraw-Hill de Portugal.
Webgrafia
Berra, J. (2005). Repensar el aprendizaje grupal como construcción del conocimieto. Batelaan, P. (2005). Aprendizaje cooperativo en la educación intercultural de Europa. Recuperado em 24 de Março de 2011, de http://www.uv.mx/dei/ p_publicaciones/BasesTeoricas/BatelaanPieter.

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